FRANCISCO CARDOSO DE BITTENCOURT, filho de Alfredo Cardoso de
Bittencourt e Alice Maria de Bittencourt, nasceu em Jaguaruna – SC em 4 de
outubro de 1916.
Quando jovem veio morar em Imbituba para se fixar no Trabalho, onde conheceu e
casou-se com Apolônia Patrício, natural de Cangueri de Fora, município de Imaruí,
com quem teve doze filhos, um deles falecido ainda bebê, Jane Maria, com apenas
oito dias, portadora de espinha bífida.
Os onze filhos, graças a Deus, vivos, são: José Geraldo, Janete, Janice, Jairo,
Jaime, Jaci nascidos em Imbituba-SC e Jorge Luiz, Jair, João Batista, José Lino
e Jane Cléia, em Siderópolis, formando a tradicional “escadinha”, costume da
época. Sou a terceira do clã.
Em Imbituba, morávamos em frente à rua paralela à Estrada de Ferro Dona Teresa
Cristina. Entre muitas casas, havia a nossa, a do compadre Villi, que era
proprietário do Cartório de Registro Civil Inês Barreto de Souza, sua esposa,
nossos vizinhos muito queridos. Atravessando a rua, bem em frente, havia um
bosque de eucaliptos cortado por um caminho muito simpático por onde passávamos
para visitar o pai ou levar comidinha pra ele na oficina da CDI - Companhia
Docas de Imbituba. Nela, trabalhou até 1954 como mecânico e à noite foi
operador de máquina que rodava filmes nos cinemas.
Em 1954 nossa família (Francisco, Apolônia e os sete primeiros filhos) veio
para Rio Fiorita, Distrito de Nova Belluno, mais tarde Siderópolis, por
admissão da Companhia Siderúrgica Nacional. A primeira residência foi no Rio
Fiorita, Rua 14, próximo à Igrejinha Santa Bárbara, mais tarde numa das casas
geminadas da Vila Residencial da CSN, Rua 6, próximo ao Recreio do Trabalhador,
Panificadora, Açougue e Armazém da mesma empresa. Em 1962, nos mudamos para uma
casa de propriedade, na rua próxima a Estrada de Ferro, Rua Assis Brasil, 19,
sede de Siderópolis, casa esta comprada do Sr Manoel Quadra, que em seguida
veio a ser sogro de meu irmão mais velho, José Geraldo.
A companhia Docas de Imbituba foi criada em 03/11/1922, tendo Álvaro Monteiro
de Barros Catão como diretor e foi importante na exploração de carvão através
do Porto de Imbituba, onde todos os navios de carga ou passageiros da Companhia
Nacional de Navegação Costeira faziam escala.
Com a descoberta das jazidas de carvão no sul de Santa Catarina e a construção
da Estrada de Ferro Dona Teresa Cristina, fortalecimento do Porto de Imbituba,
aumentou a exploração do minério e, com os incentivos do Governo e participação
da Companhia Siderúrgica Nacional, chega em Siderópolis a maior segunda
escavadeira de carvão do mundo: a Marion Dragline 7800 - USA cuja montagem
iniciou-se em 1961 e contou com uma equipe especializada de engenheiros e
mecânicos, entre eles, meu pai, Francisco Cardoso de Bittencourt.
Lembro-me do orgulho que ele tinha por ser um dos mecânicos que montou a
Marion. Brincava com as visitas que, por tanto entusiasmo da parte dele,
supunham ser uma moça, uma namorada. Ele ria e explicava: - Não, não precisa
ter ciúmes, a Marion é uma máquina, a segunda maior do mundo em extração de
carvão. Veio dos USA. - Inflava o peito, descrevendo como era e o que fazia
para retirar o carvão.
Foi um pai muito atencioso com os filhos, não queria que faltasse nada para os
mesmos e, sempre que um filho resolvia se casar, ele não media esforços; pelo
contrário, dava maior apoio e ensinava a construir o “ranchinho”, casa tipo um,
que servia de morada para o casal durante o primeiro ano. Companheiro, colaborador
nas tarefas de casa, a ponto de cozinhar para a família, enquanto nossa mãe, D.
Apolônia, saia a vender Avon e capas de eletrodomésticos.
Foi um profissional muito dedicado, chegava a ser “Caxias” no cumprimento do
dever. Trabalhou sem parar até estar a poucos dias da aposentadoria, quando...
Numa madrugada fria, nunca esquecerei, ele foi chamado para substituir um
colega. Prontamente, como sempre fazia, esperava o jipe da Cia para pegá-lo,
ouvi minha mãe dizer:- Leva um casaco, homem! Não precisa pressa! Cuida-te! Ele
tinha o hábito de sair às pressas, somente de macacão. Ele, na euforia por ser
útil, dizia brincando:- Quebrou um dente, vou ser o dentista da Marion. Voltava
faceiro e orgulhoso no final do expediente.
Naquela madrugada de 1968, porém, quase morre. O acidente ocorreu porque (não
sei quem foi, nem me interessa saber) antes que fosse dado o aviso, o
maquinista, por engano, ligou o motor e meu pai foi sentindo os cabos de um
enorme rolo ferir- lhes as pernas. Felizmente ou por providência divina ele
teve a feliz ideia e tempo para pendurar-se acima, não sei dizer bem onde e ali
ficar pendurado, enquanto seu corpo ia sendo dilacerado. Não fosse a
interferência e aviso de seu compadre Sr JACOB FIRMINO DE SOUZA (in memoriam),
com um assobio fortíssimo, ele teria sido juntado à pá, triturado pelo cabo de
aço, onde ele cumpria uma tarefa, nos seus últimos dias efetivos, fazendo um
plantão que não era dele. Um acidente trágico que levou meu pai ao hospital de
Porto Alegre por quase um ano. Nove meses internado, pois precisou fazer cinco
enxertos e quatro plásticas para reconstruir sua perna . Ficou com sequelas no
aparelho urinário e uma perna mais curta. Ao retornar ao lar era outro homem.
Calado, tristonho, cheio de recordações. Vê-lo claudicando, era sentir a dor
que somente uma esposa ou um filho sente.
Foi muito triste. Mais triste pensar que parece que ninguém lembra ou relata
este trágico acidente. Entretanto, os que o amavam, sabiam o que ele sofreu.
Mais triste ainda porque a poucos dias de concluir seu tempo de serviço, sofre
o acidente e lhe dão aposentadoria por invalidez. Uma injustiça!
Oito anos depois dá entrada no hospital São José, da cidade de Criciúma-SC,
onde fica internado por uma semana. Um tratamento simples que hoje poderia ser
feito em casa. À época, não tínhamos o avanço de hoje. Não tínhamos telefone, o
transporte era precário. Fomos visitá-lo no dia dos pais. Ficamos apavorados,
segundo o médico, o quadro dele não era bom. E via-se mesmo, pelo aspecto e
atitude desistente. Conversou conosco. Ouvimos alguns conselhos e só o deixamos
porque terminara a hora da visita.
Na madrugada seguinte fomos chamados com urgência dizendo que ele estava na
UTI. Ao chegar ao hospital conversei com o médico responsável que anunciou a
dificuldade respiratória. - Ele fuma muito? - perguntou-me. - Que ironia! - Meu
pai? Nunca fumou. - Não? - Admirou-se o médico. - Mas... Ele sofria de
bronquite? - Sim, isto é um fato.
Ficamos ali aguardando melhoras mas não teve uma segunda chance. Deus quis
levá-lo desta vez. Tinha apenas 59 anos, faria 60 em outubro. O laudo médico
registrava Edema Pulmonar. Laudo que até hoje não me convenceu. Era 9 de agosto
de 1976, um dia após o dia dos pais.
Texto de Janice de Bittencourt Pavan Em 04/08/15.